UPF inicia aulas da primeira turma do curso de Pedagogia Intercultural Indígena

Aula Inaugural destacou o avanço da Universidade na formação de pedagogos atuantes em suas próprias comunidades

“Agora, a UPF também é terra indígena”. A fala da coordenadora Regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Rio Grande do Sul Maria Inês de Freitas mostra a importância do momento vivido na Universidade de Passo Fundo (UPF) na noite de quinta-feira, 29 de agosto. A data foi escolhida para dar início ao curso de Pedagogia Intercultural Indígena, proposta desenvolvida pela Universidade por meio de edital do Programa Nacional de Fomento à Equidade na Formação de Professores da Educação Básica (Parfor Equidade), lançado em setembro do ano passado pelo Ministério da Educação (MEC) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Ao todo, 30 indígenas, dos 16 aos 60 anos, serão beneficiados pela iniciativa com bolsas para cursar a graduação de forma presencial na Instituição. As atividades em sala de aula tiveram início na última terça-feira, 3 de setembro. Os estudantes vêm de comunidades de municípios como Muliterno, Gentil, Cacique Doble, Água Santa e Mato Castelhano. O objetivo do Parfor Equidade é formar professores e pedagogos, a fim de atender redes públicas e comunitárias que ofertam educação escolar indígena, quilombola e do campo, educação especial inclusiva e educação bilíngue de surdos. Para isso, na UPF os estudantes terão, além de professores indígenas – selecionados também por meio de edital -, disciplinas específicas e pensadas de forma a respeitar sua identidade cultural e atividades em suas comunidades.

Apesar de ser o primeiro curso de graduação da Universidade voltado especificamente para a população indígena, a relação da UPF com as comunidades não é nova. Ainda no início dos anos 2000, a Instituição promoveu o Vãfy – Curso Normal de Formação de Professores Indígenas Bilíngue Kaingang ou Guarani para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, projeto que buscou a formação de professores indígenas a nível médio e beneficiou pessoas como Dorvalino Kógjá Joaquim. Hoje, ele, que atua como professor de Língua Caingangue e Valores Caingangue – o equivalente ao Ensino Religioso – na Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Helder Tenh Fy, na comunidade de Campo do Meio, no município de Gentil, retorna para a sala de aula em busca de qualificação. “Ser professor foi o meu sonho. É o que eu sei fazer, dar aula. É gratificante para mim”, comenta.

Para o professor, o curso é um avanço para o povo caingangue. “Eu fico muito agradecido quando vejo o nosso povo adquirindo conhecimento, adquirindo formação acadêmica. Eu parei no tempo, não tenho vergonha de dizer, mas foi por causa dos recursos financeiros. Quando apareceu essa oportunidade do curso, eu quis participar. Eu vejo que o povo Caingangue progrediu, ganhou seu espaço, porque no início ninguém chegava ao Ensino Fundamental, e hoje nós estamos aqui, buscando essa formação. Estou com 60 anos, mas tenho a vontade de um menino de 18”, brincou.

O pró-reitor Acadêmico, professor Edison Alencar Casagranda, destacou que, além de um compromisso antigo com a formação de professores, a UPF também tem uma tradição na pesquisa com as culturas indígenas, além de projetos de extensão que atuam nas comunidades de Passo Fundo. Para o professor, com o início do curso de Pedagogia Intercultural Indígena, a Universidade dá um passo além. “Nós precisamos preparar as pessoas para que elas tenham condições de fomentar a própria cultura, de preservar sua cultura, e nada melhor do que esses movimentos, com a universidade próxima respeitando e contribuindo para que a formação indígena possa ir sendo qualificada cada vez mais”, destacou.

Demanda por professores indígenas ainda é alta

O número de interessados na formação – mais de 130 – mostra que a demanda por professores nas comunidades indígenas do Rio Grande do Sul ainda é grande. Segundo dados do último Censo, são mais de 36 mil indígenas no estado. A nível de Brasil, outro dado deve ser levado em consideração: o maior peso percentual concentra-se na faixa de idade entre zero e 14 anos, que representa 29,95% da população indígena, ou seja, crianças e adolescentes em idade escolar.

Na opinião da coordenadora do curso, professora Elisa Mainardi, apesar de as políticas de formação de professores indígenas terem melhorado, a demanda ainda é gritante. “Em cada área indígena existem escolas indígenas que vão receber as crianças da comunidade para que elas façam sua formação escolar a partir da sua cultura. São crianças que ingressam na escola falantes da língua caingangue, e precisamos pensar o quanto essa escola tem que estar qualificada e com um professor que também compreenda essa cultura, compreenda essa língua para poder promover o processo de ensino aprendizagem”, pontua.

O diferencial do curso na UPF está, segundo a professora, justamente nessa interlocução com as comunidades. “Nossas disciplinas sempre vão ter um viés específico que envolve um modo diferenciado de compreender o mundo, a especificidade cultural, a língua, essa relação diferenciada com a terra e com a natureza. Esses futuros professores precisam aprender a adaptar esse conhecimento que terão na Universidade para a cultura do seu povo. O desafio é a complexidade de pensar como ensinar e manter viva a cultura, as línguas, crenças, trabalhar na perspectiva do reconhecimento, da valorização da cultura, porque os jovens moram na comunidade”, finalizou.

Fotos: Camila Guedes e Carla Vailatti 

 

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