Mudanças à vista: China modifica padrões de classificação de grãos de soja

A China já notificou a Organização Mundial do Comércio (OMC) que “está mudando” os seus padrões de classificação de grãos de soja. Isso tem um impacto significativo para o Brasil, que é o maior produtor e exportador de soja do mundo e a China é o principal destino dela. Segundo a Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO/2021), na safra 2019 a área mundial de soja foi de mais de 120 milhões de hectares e produção de cerca de 330 milhões de toneladas de grãos. Desse total, o Brasil cultivou 35 milhões de hectares e produziu quase 115 milhões de toneladas de grãos, ou seja, 29,8% da área cultivada e 34,3% da produção. Na safra 2020/2021, o Brasil produziu 133 milhões de toneladas na safra, um aumento de 7% em relação à safra anterior e ultrapassou os EUA, tornando-se o maior produtor mundial de soja (Statista, 2021).

Nesse sentido, a professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo (FAMV/UPF), a engenheira agrônoma e doutora em fitotecnia, Nadia Canali Lângaro, que é classificadora oficial de grãos de soja e trigo pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), responde algumas questões envolvendo as principais mudanças e os impactos desse novo padrão de soja chinês.

Quais países são os principais fornecedores de soja para a China?

A soja na China é abastecida principalmente pela produção do Brasil e EUA. No Brasil, os avanços em produtividade e expansão para novas áreas cultivadas, como por exemplo no cerrado e áreas de várzea no Rio Grande do Sul, impulsionaram o crescimento da oferta do grão nos últimos anos. Além disso, a tarifa de 25% imposta ao produto norte-americano em 2018 favoreceu as exportações brasileiras, embora o volume importado pelo país asiático tenha caído pela primeira vez recentemente, em 15 anos (USDA, 2019).

Por que a China está modificando os critérios de classificação da soja?

A China já notificou a Organização Mundial de Comércio (OMC), que estuda mudanças nos padrões de qualidade de grãos de soja adotados no país. A soja é o maior e mais concentrado segmento de comércio na agricultura global. O comércio internacional de soja começou a crescer quando a China liberalizou as importações para atender à sua grande demanda por óleos comestíveis e de proteína para a ração animal. Políticas internas que favorecem a produção de grãos de cereais e a expansão rápida da capacidade de processamento chinesa impulsionaram seu crescimento e tornaram o país o maior importador no mundo, responsável por 60% do total das importações. Historicamente, critérios de qualidade na alimentação evoluem naturalmente em atendimento a normas de higiene e a novos mercados consumidores, que se tornam ainda mais exigentes quando contam com uma grande competição entre os países produtores.

O Brasil também possui um padrão de soja. Como funciona e para que serve esses padrões?

A OMC foi criada em 1995 com o objetivo de supervisionar e liberalizar o comércio internacional, tendo um número expressivo de países afiliados, que formam blocos comerciais para as negociações, entre eles o Mercosul e a União Europeia. De maneira geral, os padrões internacionais abrangem requisitos técnicos em comum de classificação de produtos agrícolas, mas cada país pode regulamentar e especificar termos e definições próprios, mas que precisam estar afinados com o comércio internacional para serem competitivos. Os padrões técnicos são requisitos de identidade e qualidade de grãos, por meio de classificação, métodos de testagem, regras para inspeção de lotes, rotulagem, embalagem, armazenamento e transporte de cargas.

Quais as diferenças entre os nossos padrões de soja e os da China?

O padrão oficial brasileiro de classificação de soja, regulamentado pela instrução normativa – IN n. 11, de 15 de maio de 2007, apresenta especificações técnicas alinhadas com o mercado mundial, as quais são bem detalhadas. No entanto, na questão aqui discutida, a soja brasileira do Grupo II (grão destinado à indústria), tanto no comércio interno quanto para exportação é classificada em “padrão básico”, de modo distinto da China, cujo padrão vigente apresenta outros requisitos de qualidade que ainda não são contemplados em nossos padrões, como percentuais de grãos perfeitos, teor de umidade do grão, teores elevados de gordura (mínimo 20%) e de proteína (mínimo 40%)”.

O que muda com esse novo padrão chinês?

Após análise pela OMC, o novo padrão será aplicado aos grãos de soja comercial comprados, armazenados, transportados, processados e vendidos pelos chineses. As mudanças vão além dos padrões de comercialização, com alterações também de metodologia de testagem, regras de inspeção, rótulos, embalagem, estocagem e transporte de soja, já mencionados. No novo padrão chinês são propostas alterações nas definições de grãos perfeitos, de soja com índices elevados de óleo (enquadramento 1= ≥ 20%; 2=≥ 21% e 3= ≥22%) e de proteína (enquadramento 1= ≥ 40%; 2=≥ 41% e 3= ≥42%). Na nova classificação de soja também foram alterados os percentuais de grãos com defeitos e foi adicionada a classe “fora de tipo”. Além disso, os padrões de umidade também foram alterados.

Uma das principais mudanças consiste no teor de umidade. O que muda?

Um parâmetro muito importante que será alterado no novo padrão chinês é o teor de umidade máxima de recebimento do grão, que passará a 13%. No Brasil não há um limite máximo, e sim uma recomendação para o limite de 14% de umidade no recebimento, assim só ocorrem descontos quando a umidade do grão ultrapassa 14%. A mudança no teor de umidade poderá reduzir custos de fretes, mas exigirá controle maior de quem recebe, seca, padroniza e comercializa os grãos. Neste sentido, a adequação desse parâmetro físico poderá implicar em aumento de custos para o comerciante/exportador de soja, e, por conseguinte, para o produtor. Num exemplo prático, a cada seis toneladas que atualmente são descarregadas com 14% de umidade de grão, poderá haver um desconto de 1% sobre o peso da carga, ou o equivalente a uma saca de 60 kg de soja. Assim, um produtor ao entregar 12 toneladas de grãos mais úmidos de soja no armazém poderá arcar com um desconto do valor de duas sacas devido à umidade.

Quais os impactos que isso provocará, especialmente nas exportações?

Embora as primeiras análises das mudanças no padrão chinês não apontem alterações iminentes no mercado mundial de soja, para os grandes países exportadores, como o Brasil, implica em um aprimoramento de curto prazo nos critérios de qualidade e de classificação do grão. Ao exportar o grão, esse será enquadrado em quatro categorias definidas pelo padrão chinês, com remuneração diferenciada para o grão de qualidade superior. Características como os conteúdos de óleo e de proteína variam entre cultivares e não atingem facilmente os teores apontados como elevados no novo padrão chinês. A composição do grão varia também com o manejo de adubação, época de semeadura, temperatura e regime hídrico do local de cultivo, o que implica uma evolução de novas cultivares para que atinjam padrões mais altos de qualidade, os quais certamente garantirão remuneração maior.

Dra. Nadia Canali Lângaro – engenheira agrônoma e doutora em fitotecnia, professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo (FAMV/UPF)

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