Do resgate à reabilitação: mais de cinco mil animais silvestres atendidos em quase uma década

Mais de 70% dos animais silvestres atendidos pelo Grupo de Estudos de Animais Silvestres (Geas) no Hospital Veterinário da UPF conseguem ser reabilitados à natureza ou destinados para um mantenedouro

De pumas a porquinhos-da-índia. O Grupo de Estudos de Animais Silvestres (Geas) que atua no Hospital Veterinário da Universidade de Passo Fundo (UPF) recebe diversas espécies de animais silvestres. Em nove anos de existência, o Geas já atendeu mais de cinco mil animais silvestres. E pelo menos 50% deles conseguem voltar à natureza, ao seu habitat. Sem contar os que são encaminhados para mantenedouros de fauna silvestre, o número de reabilitações passa de 70%. Resultados que são possíveis em função de toda a estrutura presente no Hospital Veterinário da UPF, do trabalho do Geas, bem como em razão do conhecimento científico presente na Universidade.

Somente no ano de 2020, mais de 720 animais silvestres passaram pelos cuidados do Geas. Em 2021, até o mês de outubro, são quase 700 atendimentos. São mamíferos, aves, répteis, aracnídeos, insetos, peixes, anfíbios, entre outros. Além dos animais resgatados da natureza, há aqueles criados como pets como coelhos, porquinhos-da-índia e papagaios, encaminhados pelos seus tutores quando precisam de algum atendimento.

O aporte do Hospital Veterinário da UPF, o corpo técnico habilitado e qualificado para o cuidado de animais silvestres, o conhecimento científico presente na Universidade e toda a experiência no atendimento desses animais ao longo dos anos permitem ajudar a fauna e, consequentemente, o meio ambiente. “A gente tem um hospital-escola, que é um dos melhores hospitais veterinários, referência no estado. A gente tem o Geas e sua equipe, bem como toda a estrutura em exames e experiência em diagnóstico de exames laboratoriais. Na parte cirúrgica, temos todo o material necessário, sendo que 95% dos casos conseguimos resolver no próprio hospital e quando isso não é possível, contamos com o apoio de parcerias externas”, explica a coordenadora do Geas, a médica veterinária e professora da UPF, Me. Michelli de Ataíde.

O estado de saúde dos animais silvestres que chegam ao Hospital Veterinário, muitas vezes, é crítico, e, na maioria dos casos, tem interferência humana. “Têm animais que chegam em coma, em virtude de traumatismos em razão de acidentes e atropelamentos, de agressões, maus tratos. Têm muitas aves que chegam machucadas devido à colisão em vidraças, já que elas não conseguem identificar que ali tem uma barreira. Os casos variam”, comenta Michelli.

O Grupo recebe também muitos animais vulneráveis e até ameaçados de extinção. “Recebemos espécies de papagaios, como o Charão e o de Peito-Roxo, serpentes, anfíbios e por três vezes na nossa história o Veado bororó. Cervos recebemos muitos, pelo menos um a cada 15 dias. Também temos casos de pumas, que são muito visados na nossa região”, salienta a professora.

Após a recuperação dos animais, a destinação é responsabilidade dos órgãos ambientais como secretarias Municipal e Estadual de Meio Ambiente (Smam e Sema) e Ibama. Caso tenham condições, os animais silvestres são devolvidos à natureza, se não houver, eles são destinados para um mantenedouro de fauna silvestre, designado pelos órgãos ambientais.

Cuidados durante 24 horas
A equipe do Geas, que trabalha só com os animais silvestres, se dedica integralmente. “Os filhotes precisam de mama e papa à noite, outros de monitoramento 24 horas. Esse atendimento integral é o nosso diferencial e aumenta o sucesso nos resultados. Temos uma equipe de veterinários que trabalha em conjunto, definindo o melhor tratamento para cada paciente”, revela a coordenadora do Geas.

“Muitas vezes, o ser humano é o maior predador daquela espécie”
O contato com animais silvestres, que vivem livre na natureza e recebem tratamento no Hospital Veterinário, é mínimo. “Fizemos isso, primeiro, em respeito ao animal para que ele mantenha o instinto. Eles não podem se acostumar com o ser humano, porque muitas vezes somos o maior predador daquela espécie. Eles têm que ter receio da gente. Evitamos conversar com eles, não damos nomes, a gente evita até falar perto deles para que não se acostumem com a voz”, enfatiza Michelli.

No caso da alimentação, a equipe também evita demonstrar que são os seres humanos que estão alimentando eles. “No caso de filhotes, muitas vezes usamos fantoches para que eles não percebam que é uma mão humana alimentando eles, escondemos a comida como se fosse em um ambiente selvagem para eles procurarem, colocamos frutas penduradas, enfim, criamos um ambiente como ele encontraria na natureza livre”, observa a coordenadora do Geas.

Uma imersão acadêmica: vivências que transformam
O Geas reúne acadêmicos dos cursos de Medicina Veterinária e Ciências Biológicas, que participam ativamente de todo o processo, como o resgate e o recebimento de animais silvestres, da reabilitação, de cirurgia, da clínica, da soltura ou destinação das espécies, da conversação ativa com órgãos fiscalizadores, de conversa informal, entre outras ações. Além disso, o grupo também promove palestras acadêmicas e promove educação ambiental nas escolas.

Leonardo Splendor Biguelini, 24 anos, que cursa o nono ano de Medicina Veterinária na UPF, integra o Geas há cinco anos. Foi o primeiro bolsista do Grupo e agora realiza estágio voluntário. Durante sua trajetória no Geas, ele obteve inúmeras experiências, algumas impactantes, e que marcaram a sua vida acadêmica.

Uma delas ocorreu lá no início da trajetória dele no Geas envolvendo um Ouriço-cacheiro, que sofreu intervenção humana, por arma branca. “O paciente foi diagnosticado com miopatia de captura, TCE (Traumatismo Crânio Encefálico) e mais lacerações na pele”, lembrou o acadêmico, revelando que graças ao empenho da equipe e a boa resposta do ouriço, após quase um ano, o tratamento foi bem-sucedido e o ouriço passou pelo processo de reabilitação e soltura. “No momento da soltura, para mim foi muito especial. Foi uma mistura de sensações, de felicidade, cansaço, força, gratidão, um pensamento de que tudo aquilo que a gente fez, foi por algo maior e deu certo. Hoje, eu sei o quanto é difícil conseguir resultados como nesse caso”, afirma o acadêmico.

Na opinião do estudante, o Geas tem uma grande importância para os acadêmicos, para os animais e para a sociedade. “O Geas consegue proporcionar e preparar acadêmicos para o mundo de trabalho na área de animais silvestres e ajuda aos animais a terem uma segunda chance de vida, proporcionando um tratamento e reabilitação/soltura dos mesmos quando possível. Já para a sociedade, trabalhando diretamente com os animais e por meio de educação ambiental, é mais fácil ensinar a importância dos animais ao mundo para uma mente nova para as novas e futuras gerações”, salienta Leonardo.

Puma é atendido pelo Geas
Um dos animais que recebe atendimento do Geas atualmente é o Puma concolor, também conhecido como Leão-baio, que foi atropelado na BR 116, em Vacaria, no mês de setembro deste ano. O animal foi resgatado pela Polícia Rodoviária Federal, em conjunto com a Brigada Militar e voluntários de um grupo de proteção animal.

O Puma passou por uma série de exames no Hospital Veterinário da UPF e foi possível identificar uma fratura de escápula do membro torácico esquerdo, um projétil na altura do úmero no membro torácico direito, fraturas dentárias e Traumatismo Crânio Encefálico. O quadro clínico do animal inspirou muitos cuidados ao longo dos meses. Ele recebeu todo suporte necessário para que sua recuperação fosse possível e para que possa retornar à natureza. Segundo o Geas, em breve, o Puma deverá receber alta. Conforme o Grupo, não estão sendo repassadas mais informações sobre o tratamento e soltura do animal, que estão a cargo do Ibama.

Fotos: Divulgação/Geas/UPF

Facebook
Twitter
WhatsApp
Posts Recomendados