A aprovação do projeto que concede vale-alimentação aos secretários municipais de Lagoa Vermelha, ocorrida na sessão ordinária do Legislativo, segunda-feira, 19, foi apenas o ponto de partida para um debate mais amplo — e inflamado — sobre gestão pública, coerência política, e os limites entre discurso e realidade.
O presidente da Câmara, Josmar Veloso (PP), adotou uma linha técnica ao defender a proposta. Segundo ele, os secretários atuam sob jornadas exaustivas, em horários alternativos e com vencimentos defasados quando comparados aos de municípios semelhantes. Reforçou, ainda, que a concessão do benefício não representa um privilégio, mas sim um estímulo para atrair profissionais capacitados à máquina pública. Foi um posicionamento institucional, voltado a esclarecer os fundamentos da medida e reduzir o impacto de sua impopularidade.
Na outra ponta, a vereadora Paula Castilhos (PT) assumiu uma postura incisiva e pessoal. Ao reagir a menções feitas sobre sua remuneração, projetou em plenário o próprio contracheque, reforçou sua formação e trajetória como servidora pública, e aproveitou para denunciar o que considera graves falhas na atual administração. Falou de ausência de material básico nas unidades de saúde, da estagnação em projetos habitacionais, da exclusão de mulheres vítimas de violência do aluguel social e da falta de estrutura nos serviços de proteção à infância. Seu discurso foi denso, emotivo e sustentado por dados e vivência.
O vice-presidente do Legislativo, Luiz Carlos Kramer (Progressistas), optou por uma fala que mesclou defesa da gestão com provocação política. Afirmou que Lagoa Vermelha nunca teve tantos pediatras atuando na rede pública como hoje, que o Postão foi ampliado e que novas estruturas estão previstas, como a ESF do bairro São Sebastião. Disse que a atual administração está planejando para o futuro — ao contrário, segundo ele, de gestões passadas, que construíram unidades sem possibilidade de expansão. Kramer não poupou críticas à oposição, relembrou episódios de confrontos antigos e reiterou: “Nós também fomos eleitos. Demos um show, 8 a 3”.
Já a vereadora Charise Bresolin (Progressistas) usou a tribuna para reforçar sua independência diante do Executivo. Negou qualquer alinhamento cego ao governo e rechaçou insinuações de “cabresto político”. Disse que o projeto tem consistência e foi votado com base em convicção. Também confrontou a oposição ao lembrar que dois vereadores que criticaram o benefício aos secretários recebem, há anos, vale-alimentação como parlamentares. “É só abrir mão”, provocou. Sua fala também trouxe à tona episódios de perseguição pessoal que sofreu em legislaturas anteriores, e afirmou que não faz da política uma profissão, mas um ciclo de contribuição pública com começo, meio e fim.
Em meio a argumentos técnicos, exposições pessoais e ataques entre parlamentares, a sessão evidenciou um retrato nítido da política local: polarizada, fragmentada e, sobretudo, profundamente acompanhada pela sociedade — tanto nas galerias quanto nas redes. Não há mais margem para decisões silenciosas. Cada projeto votado ecoa além do plenário, exige responsabilidade, postura e clareza de intenções.
Mais do que discutir o mérito do vale-alimentação — um direito administrativo legítimo ou uma medida inoportuna, dependendo da ótica —, o que se viu foi a reafirmação de que os espaços públicos exigem algo que vai além do voto: exigem maturidade política, respeito mútuo e, acima de tudo, compromisso com a verdade.
Se há algo positivo no calor da sessão, foi o fato de que o povo — atento, crítico e cada vez mais participativo — está, de fato, acompanhando. Que o debate continue, mas com argumentos. A democracia agradece.