Há feitos que resistem ao tempo não apenas pela solidez de suas realizações, mas pela fidelidade à essência que os originou. O Piquete 35, prestes a completar quatro décadas de existência, é um desses raros exemplos em que a história não se cristaliza no passado, mas se projeta com vigor no presente — e sobretudo, no futuro do nosso patrimônio imaterial.
Fundado em 1985, em meio ao cinquentenário da Revolução Farroupilha, o Piquete 35 não surgiu de ambições institucionais nem de projetos burocráticos. Nasceu, como deve nascer tudo que é autêntico, do convívio espontâneo de amigos que viam no churrasco, na montaria e na convivência campeira muito mais do que lazer: viam ali um ato de reafirmação cultural, um gesto de resistência e, acima de tudo, de pertencimento.
É nesse ponto que sua importância extrapola o cenário local. O que o Piquete 35 representa para Lagoa Vermelha vai além da visibilidade em cavalgadas, da condução da Chama Crioula ou da manutenção rigorosa dos ritos e símbolos do tradicionalismo. Ele representa uma síntese — talvez das mais legítimas — da capacidade de um grupo de homens e mulheres de traduzirem no cotidiano, na simplicidade dos gestos, na lealdade às origens e na firmeza dos valores, a alma profunda do Rio Grande do Sul.
Não por acaso, a entidade se tornou referência também fora das divisas do município. A cada jornada de estribo batido pelos campos, a cada centelha conduzida sob sol e barro, o Piquete 35 reafirma, com uma dignidade quase litúrgica, que a cultura não é um espetáculo: é um ato de fé. Fé nos que vieram antes, fé no que se planta hoje e fé no que se semeia para os que virão.
Essa consciência, rara nos tempos líquidos que vivemos, faz do grupo muito mais do que uma entidade tradicionalista: faz dele uma escola silenciosa de valores. Enquanto o mundo corre apressado para abraçar a inovação desprovida de raiz, o Piquete 35 — com a paciência dos que sabem o peso do tempo — prefere manter os encontros, onde a pilcha é obrigatória, a palavra tem valor e a amizade é cultivada à moda antiga: com presença, respeito e carne no fogo.
Celebrar os 40 anos do Piquete 35 não é, portanto, apenas aplaudir um marco cronológico. É reconhecer a permanência de uma chama — física e simbólica — que, apesar das tormentas do presente, continua iluminando as veredas do tradicionalismo sério, comprometido, íntegro.
E nesse gesto, nos ensina que tradição não é repetição. É responsabilidade.